Depois de enfrentar um dos mais críticos períodos de seca da história, Minas quer universalizar cobrança por captação de sistemas artesianos e cursos d'água, aumentar valor para quem consome o recurso em estado bruto e apertar fiscalização contra clandestinos.
Enquanto tenta se recuperar da maior crise hídrica já enfrentada nos últimos tempos, Minas Gerais trabalha para prevenir transtornos semelhantes ou piores em futuros períodos de estiagem. Em uma corrida contra a seca, uma das iniciativas anunciadas nessa quinta-feira pelo governo é a criação de um plano de segurança hídrica, que inclui medidas como universalizar a cobrança pelo uso da água de poços artesianos, aumentar o valor já pago por grandes consumidores e incentivar a construção de barragens para abastecimento rural e industrial. As ações que mexem diretamente no bolso de quem capta água bruta na natureza começam a valer já no próximo ano, quando o estado pretende ampliar para todas as suas 36 bacias hidrográficas a cobrança por captações em poços e cursos d’água. Atualmente, a regra vale em apenas nove sistemas, incluindo a Bacia do Rio das Velhas, da qual Belo Horizonte faz parte – embora a taxação ainda seja restrita. As iniciativas foram anunciadas ontem, durante o 1º Fórum das Águas, em Brumadinho.
Outra medida para ampliar o pagamento será o rastreamento de captações clandestinas em todo o estado, que, segundo a diretora-geral do Instituto Mineiro de Gestão das Águas (Igam), Marília Melo, ainda são expressivas e precisam ser regularizadas. As medidas têm impacto direto não só sobre proprietários rurais e indústrias, mas também sobre condomínios. Ambientalistas ligados ao Rio das Velhas garantem que muitos residenciais no entorno da capital, como os de Nova Lima, ainda retiram água na clandestinidade.
Integrante do Projeto Manuelzão e ex-presidente Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas, Rogério Sepúlveda afirma que um cadastramento de usuários de água bruta da bacia foi feito em 2009, com os grandes captadores. Mas adverte que o processo não foi concluído e, por isso, muitos proprietários rurais, empresas e até mesmo condomínios ficaram de fora do levantamento. “Esse é um processo que precisa ser constante. A fiscalização também precisa melhorar, porque, além de existirem residenciais inteiros ou indústrias captando água sem outorga, há aqueles que captam acima do autorizado e ainda geram efluentes, como esgoto”, diz. Segundo Rogério, são muitos os condomínios na região metropolitana em situação irregular. “A quantidade é grande. Não é pouca coisa não”, reforça.
Para se ter uma dimensão do problema no estado, a diretora do Igam traduz a irregularidade em números. Ela conta que, no início de 2007, eram apenas 30 mil usuários de recursos hídricos cadastrados. Depois de uma campanha de incentivo à regularização, durante dois anos, o número saltou para 350 mil, entre captadores rurais, urbanos e industriais. O novo número representa um aumento de 1.066%. “Isso significa que todas essas pessoas usavam água na clandestinidade”, afirma. Ela acrescenta que o número de consumidores pode ser bem maior, já que somente as propriedades rurais somam 660 mil unidades em Minas. “Provavelmente, todas fazem uso de alguma fonte de água”, diz Marília, ressaltando, no entanto, que ações de fiscalização são constantes.
Uma das iniciativas para conter irregularidades, segundo a diretora, será implantada ainda em 2015. No ano que vem, o Igam pretende colocar em prática uma resolução a ser publicada nos próximos dias, que prevê regras para medições da quantidade de água captada por quem tem autorização. “A cobrança é pela outorga concedida, mas, quando não há medição, é difícil saber quanto está sendo usado efetivamente. Isso tende a mudar com esse novo instrumento”, afirma.
O preço cobrado pela água bruta, que em Minas é de R$ 0,01 ou R$ 0,02 por metro cúbico (mil litros), também precisa ser revisto, na avaliação da diretora. Segundo Marília, o recurso, que serve para investimento na conservação da bacia, ainda tem valor muito baixo e deverá ser revisto em discussão com os gestores dos comitês. Cerca de R$ 8 milhões são arrecadados na Bacia do Velhas, anualmente. O pagamento pelo uso do bem público vem de pessoas físicas e jurídicas, inclusive da Copasa, que retira água da natureza para tratamento e venda. “Ainda assim, o recolhimento é muito pequeno para a imensa tarefa que é recuperar toda a área da Bacia do Velhas”, diz Rogério Sepúlveda.
Restrição de uso
Nas bacias com níveis de abastecimento mais críticos, a diretora afirma que haverá restrições ao uso da água, nos casos em que for percebida diminuição do volume, mesmo fora do período de estiagem. Como exemplo, ela cita a bacia dos rios Piracicaba e Jaguari, no Sul de Minas, onde já é certa a redução de 20% a 30% na outorga autorizada para captação de água bruta. Também está no plano para o ano que vem a criação de bonificações para usuários que tiverem práticas eficientes do uso da água em suas propriedades, como sistemas inteligentes de irrigação, além de incentivo às políticas de reúso da água da chuva e de efluentes tratados. “Todas essas discussões serão feitas ao longo do ano com os gestores dos comitês das bacias, para definir qual tipo de efluente pode ser usado e por qual tratamento ele deve passar”, afirma Marília.
Outro ponto importante que precisa de intervenção são as perdas nos sistemas de tratamento, em torno de 25% na Copasa e até 60% na média de outros estados. No setor da agricultura, em que 50% dos sistemas de irrigação não têm assessoria técnica, o que resulta em perda d’água, também haverá incentivo, com apoio técnico e políticas de bonificação para proprietários que fizerem o uso racional.
Fonte: Diário de Pernambuco
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