Vinho doce domina produção, mas mercado de espumantes, que dobrou de tamanho em dez anos, começa a ganhar força.
De um lado da pequena estrada de terra que leva à sede da Vinícola Santa Maria, em Lagoa Grande, a 50 km de Petrolina, a paisagem é dominada pela vegetação seca da caatinga, salpicada de mandacarus, os cactos típicos da região. Atrás da cerca do outro lado da estrada, as parreiras formam uma fileira verde graças ao projeto de irrigação que aproveita as águas do Velho Chico.
A emergência da região do Vale do Rio São Francisco como uma relevante produtora no Brasil reflete uma lenta (porém visível) mudança no padrão de produção e consumo de vinhos do País. O mercado brasileiro ainda é dominado pelo vinho de mesa, mais conhecido pelo garrafão de 5 litros, consagrado principalmente pela marca Sangue de Boi.
Mas os números mostram que a tendência de longo prazo é a substituição dos vinhos populares - feitos com uvas comuns, produzidas para o consumo in natura - pelas opções finas, produzidas com uvas viníferas conhecidas, como cabernet, shiraz e malbec. No País, o cenário se mostra especialmente promissor para os espumantes - justamente o segmento em que as vinícolas do Vale do São Francisco estão se especializando.
Apesar de o consumo de espumantes ainda ser baixo no País, os números mostram que o mercado cresceu de forma relevante. Considerados os dados de janeiro a setembro, as vendas em volume acumularam alta de 52% desde 2009, segundo dados do Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) que compilam os dados de produção no Rio Grande do Sul, que concentra 90% das vinícolas brasileiras. No acumulado de 2013, a expansão nas vendas é de 12,75% em relação ao ano passado.
O tamanho total do mercado, no entanto, mais do que dobrou em dez anos. Com ajuda das festas de fim de ano, a venda de espumantes deve ultrapassar a marca de 15 milhões de litros pela primeira vez em 2013, caso o ritmo de crescimento dos primeiros nove meses do ano seja mantido.
O espumante vem crescendo bem acima dos vinhos finos tradicionais no País por diversos motivos. O primeiro é porque os vinhos finos brasileiros ainda não conquistaram o consumidor - o que, até certo ponto, é reflexo da associação ao produto vendido em garrafão. O diretor técnico do Ibravin, Leocir Bottega, lembra que quase 80% do vinho fino consumido no Brasil é importado. Ou seja: as vinícolas nacionais têm de se "acotovelar" por pouco mais de 20% das vendas.
Outro gargalo é o preço. Isso ocorre porque o custo do vinho brasileiro acaba sendo muito próximo dos argentinos e chilenos, que desfrutam de boa imagem no País. Empresários do setor reclamam que o vinho é usado pelo governo como "moeda de troca" nas negociações com os parceiros do Mercosul. Segundo fontes, há uma leniência com o vinho importado em troca de cotas mais elásticas para exportações de produtos de valor agregado mais alto, como eletrodomésticos e carros.
O espumante nacional não enfrenta a mesma resistência e domina mais de três quartos das vendas no mercado interno. "Ao contrário do que ocorre com o vinho fino, o espumante brasileiro é muito bem aceito", diz Cláudio Góes, presidente da Câmara Setorial do Vinho do Estado de São Paulo e sócio da Vinícola Góes, com sede em São Roque (SP). Segundo o empresário, o espumante tem sido a "grande saída" encontrada pelas vinícolas que ainda dependem do vinho de mesa e querem sofisticar sua oferta. A família Góes trilhou este caminho e chegou a criar um rótulo para variedades especiais, o Casa Venturini, que produz vinhos vendidos no varejo por até R$ 50.
Entre os espumantes feitos por aqui, o mais popular é o da variedade Moscatel, feita a partir da única uva que é consumida in natura e, ao mesmo tempo, é considerada ideal para a fabricação de vinhos. "O gosto do Moscatel é adocicado e tem uma baixa concentração de álcool. Por isso, adaptou-se bem ao paladar brasileiro", diz Góes. Ele explica que, aos poucos, o espumante Moscatel, com preço próximo de R$ 20, começa a tomar mercado dos frisantes, que custam a partir de R$ 12.
Outro indício de que o espumante está se popularizando no País é a desconcentração do consumo na época de festas de fim de ano. Segundo o Ibravin, hoje pouco mais de 50% das vendas estão concentradas nas semanas que antecedem o Natal - uma queda de 15 pontos porcentuais em relação à realidade de 2005.
Pequenas e médias. O mercado de vinhos brasileiro ainda é dominado principalmente por pequenas e médias empresas, quase sempre de origem familiar. Com mais de cem anos de história, a vinícola gaúcha Miolo, uma das mais tradicionais do País, faturou menos de R$ 130 milhões em 2012. Para crescer, a companhia atraiu investidores externos com interesse pessoal em vinhos.
Além da família Miolo, a empresa tem os empresários Eurico Benedetti (da fabricante de móveis Bentec) e Raul Randon (conhecido pela fabricação de autopeças e implementos rodoviários). Galvão Bueno, narrador de futebol da TV Globo, comprou participação no negócio no início de 2013.
O grupo português Dão Sul, recentemente rebatizado Global Wines, chegou ao País em 2006 com o objetivo de explorar o potencial do Vale do Rio São Francisco. Além da Vinícola Santa Maria - que produz os rótulos Rio Sol e Paralelo 8 -, a companhia mantém outras seis unidades de produção em território português. Seu faturamento total, no entanto, é equivalente a R$ 70 milhões, segundo André Arruda, diretor da Vinícola Santa Maria.
A trajetória da Rio Sol mostra que estabelecer uma marca de vinhos e espumantes no País não é tarefa fácil. No início, a vinícola tinha como parceiro o empresário Otávio Piva, dono da rede de lojas Expand. A associação com Piva garantiu exposição na mídia e também a distribuição em São Paulo, principal polo consumidor no Brasil.
Mas a Expand começou a enfrentar dificuldades no fim da década passada. A marca Paralelo 8, que vinha sendo trabalhada fortemente pela rede, simplesmente desapareceu do mercado de uma hora para outra. Os portugueses voltaram à estaca zero e optaram por investir no consumidor nordestino. Agora, quatro anos após a saída do mercado paulistano, as marcas Rio Sol e Paralelo 8 trilham o caminho de volta para o "Sul", de maneira tímida, com distribuição de pequenos lotes no Rio, em São Paulo e em Curitiba.
ENTENDA AS DIFERENÇAS
Vinho de mesa
Geralmente vendido em garrafões de 5 litros, mas também fornecido a granel para a produção de outras bebidas - como sangrias, por exemplo -, é produzido com uvas de mesa comuns, que são produzidas para consumo ‘in natura’ ou para a produção de sucos. O uso das uvas comuns para a produção de vinhos não é permitido na Europa, mas é comum no mercado americano.
Vinhos finos
Os vinhos finos são produzidos com variedades específicas de uvas, as chamadas viníferas. Nesta categoria encaixam-se cabernet, shiraz e malbec.
Espumantes
Feitos com vinhas viníferas, os espumantes se dividem em diferentes categorias, como brut (seco) e demisec (de sabor mais doce). No Brasil, fazem sucesso os moscatéis, de sabor adocicado, produzidos com uma uva que pode ser consumida ‘in natura’ e também é considerada vinífera.
Fonte: Estadão (http://twixar.me/Y7)
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